Um caso de excesso de apego de esposa
e filhos encarnados a um ente querido no plano espiritual
Alonso, um colaborador, de maneiras
simpáticas, dirigiu a palavra ao nosso orientador, com grande interesse;
tratava-se de um velhinho de humilde expressão, que lhe falava com mostras de
justo respeito.
— E o senhor recebeu as notícias?
— Sim, nossos mensageiros
certificaram-me dos detalhes mínimos. Sua viúva continua muitíssimo
acabrunhada, os filhinhos gozam saúde, mas permanecem na mesma ansiedade por
motivo de sua ausência.
O velho, que parecia muito bondoso,
esboçou um gesto de confirmação e acrescentou:
— Tenho sentido tanta falta deles!
Nos olhos transparecia a tristeza resignada, de quem deseja alguma coisa,
medindo a extensão dos obstáculos.
— Você, porém, Alonso, não deve
angustiar-se. Sei que está trabalhando agora pelo futuro da família.
NA TERRA, NA QUALIDADE DE PAIS,
CONSEGUIMOS MOVIMENTAR MUITAS PROVIDÊNCIAS A FAVOR DOS FILHOS;
ENTRETANTO, AQUI, NO PLANO
ESPIRITUAL, PODEMOS REALIZAR CERTAS MEDIDAS EM BENEFÍCIO DELES, COM MAIOR
SEGURANÇA. NEM SEMPRE AGIMOS NO MUNDO COM A NECESSÁRIA VISÃO; MAS AQUI É
POSSÍVEL SENTIR, DE MAIS PERTO, OS INTERESSES IMPERECÍVEIS DAQUELES QUE AMAMOS.
O sentimento elevado é sempre um
caminho reto para nossa alma; todavia, não podemos dizer o mesmo, a respeito do
sentimentalismo cultivado no círculo da Crosta.
É preciso que você tenha muito
cuidado em não desorganizar a mente. A saudade que fere, impedindo-nos atender
à Vontade Divina, não é louvável nem útil. É enfermidade do coração,
precipitando-nos em abismos insondáveis do pensamento.
Alonso deixou de sorrir, mostrou os
olhos rasos d’água e falou em voz súplice.
— Reconheço, senhor Alfredo, a
oportunidade de suas observações. Graças a Jesus, venho melhorando minha vida
mental, nos deveres novos que me concedeu e, de fato, sinto-me renovado
espiritualmente. Sei que sua palavra não me advertiria sem razão, mas, ousaria
pedir licença para visitar a esposa e os filhos à noite, quando me concentro
nas preces habituais, sinto, em torno de mim, os seus pensamentos.
Esses pensamentos me penetram fundo,
atraindo-me toda a atenção para a Terra.
Às vezes, consigo repousar um pouco,
mas com muita dificuldade. Sei que a esposa e os filhos estão chamando,
dolorosamente, por mim. Esta certeza me perturba de algum modo.
Não tenho sentido a mesma firmeza
para o trabalho diário e desejaria remediar a situação.
Reconheço que minhas obrigações,
presentemente, são outras e que devo estar conformado; no entanto, confesso que
minha luta espiritual tem sido bem grande. Estou certo de que me perdoará a
fraqueza. Que chefe de família não se sentiria atormentado, ouvindo angustiosos
apelos do lar, sem meios de atender, como se faz indispensável?
E, revelando o enorme anseio da alma,
enxugou os olhos e prosseguiu:
— Quisera rogar aos meus, calma e
coragem, esclarecendo que meu coração inda é frágil e necessita do amparo
deles; estimaria pedir-lhes esse auxílio para que eu possa atender as atuais
obrigações, sem desfalecimentos. Quem sabe me concederá, agora, a permissão
precisa? Temos bem perto de nossa casa um grupo de amigos espiritistas; talvez
não me fosse difícil transmitir algumas palavras, breves que fossem, tentando tranquilizar
a esposa e os filhos!...
Alfredo, imperturbável, não respondeu
negativamente. Parecia compreender toda a inquietação do servidor simpático e
humilde. Observei-lhe no olhar, muito lúcido, o desejo sincero de atender, e,
com extrema simpatia por sua conduta generosa, ouvi-o ponderar:
— Não será impossível satisfazê-lo,
meu caro. Nossos emissários poderão conduzi-lo, nas viagens comuns; entretanto,
creia que, como amigo, ficaria preocupado com você, pela manutenção de sua paz.
Não posso abusar da autoridade e sei que cada um tem a experiência que lhe
cabe, mas creio seja de seu vital interesse o fortalecimento do coração. É
imprescindível conformarmo-nos com os desígnios do Eterno. Você e sua mulher
não ficariam separados se não necessitassem de experiências novas. As
dificuldades que ela vem amargando com a sua ausência, sofre-as também você com
a separação dela. Tenho a impressão, Alonso, de que Deus nos deixa sozinhos,
por vezes, a fim de refazermos o aprendizado, melhorando o coração. A soledade,
porém, quando aproveitada pela alma, precede o sublime reencontro. Além disso,
você não deve ignorar que os filhos pertencem a Deus, que cada um deles precisa
definir responsabilidades e cogitar da própria realização. Por enquanto, vivem
chorosos, desalentados. A revolta lhes visita a alma invigilante.
Estabeleceu-se a desordem doméstica,
depois da sua vinda. Entretanto, que fazer senão pedir para eles e para nós a
bênção do Eterno? Precisam eles da conformação com a realidade justa, e você,
que já lhes deu o que era razoável, necessita, igualmente, evolver e
aperfeiçoar-se na senda nova a que fomos chamados. Em que ficaria, meu caro, se
permitisse a invasão total do sentimentalismo doentio em seus pensamentos? Tão
dedicado é você à família do sangue, que, por agora, não o sinto com bastante
preparo a tudo ver no antigo lar, sem sofrer desastrosamente.
HÁ TEMPOS, AUTORIZEI A VISITA DE DOIS
COLEGAS NOSSOS À ESFERA DA CROSTA, A FIM DE REVEREM AS VIÚVAS E ABRAÇAREM DE
NOVO OS FILHINHOS; MAS FORAM TÃO VIOLENTAMENTE SURPREENDIDOS PELA SITUAÇÃO, QUE
NÃO PUDERAM VOLTAR AOS SEUS DEVERES AQUI, LÁ FICANDO AGARRADOS AO NINHO QUE
HAVIAM ABANDONADO. NÃO VIGIARAM O CORAÇÃO, CONVENIENTEMENTE. OUVIRAM, EM
DEMASIA, OS PRANTOS FAMILIARES TERRESTRES, ENVOLVERAM-SE NOS PESADOS FLUIDOS DO
CLIMA DOMÉSTICO E, PASSADA A SEMANA DE LICENÇA, NÃO CONSEGUIRAM ERGUER-SE PARA
O REGRESSO. ESTAVAM COMO PÁSSAROS APRISIONADOS PELA VISÃO DAS TENTAÇÕES. OS
ENCARREGADOS DO NOTICIÁRIO PARTICULAR VOLTARAM AO POSTO SEM ELES, COM GRANDE
SURPRESA PARA MIM. E, FRANCAMENTE, NÃO SEI QUANDO PODERÃO REASSUMIR AS FUNÇÕES
QUE LHES CABEM, O PREJUÍZO DE AMBOS É MUITO GRANDE.
Depois de pequena pausa, Alfredo
rematou:
— Os voos de grande altura pedem asas
fortes. Alonso, que ouvia de olhos arregalados, considerou resignado:
— Desisto do pedido. O senhor tem
razão.
O administrador abraçou-o e murmurou:
— Deus ilumine o seu entendimento.
OS MENSAGEIROS - Francisco Cândido
Xavier – André Luiz
Fonte: Mensagem Espírita