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domingo, 26 de novembro de 2017

“O INFERNO DE UM POLITICO”

Eles se julgavam ainda internados num hospital da terra: - A comida aqui e muito regulada, mas, eu creio que no interior deste quarto você mantenha escondido algum salgado! - Arriscou Jaime.- Como poderia dispor de alguma guloseima! -Respondeu Afrânio -Se a minha filha tem sido a única a visitar-me e ainda o tem feito pela madrugada, com certeza para ludibriar o responsável pela portaria! Mesmo assim confesso que hoje excepcionalmente amanheci feliz ao receber a visita dessa criatura tão maravilhosa que nunca poupou atenções a este pai desnaturado.
- Como pai desnaturado se você tem se referido a sua filha com extremo carinho?- Na verdade meu ingresso neste hospital deve-se aos meus desvios de comportamento que balançou toda estrutura do meu lar, passei o maior vexame ao sofrer o enfarte no interior de uma dessas casas de curta permanência. Na ocasião estava acompanhado por uma jovem que auxiliava nos afazeres domésticos em minha residência e para piorar a situação fui obrigado a observar o olhar atônito de toda a família, enquanto eu, embora vivo, pivô de todo aquele escândalo, jazia inerte, sim, completamente paralisado, estirado no leito revolto do pecado. Você tinha que ver meu amigo, os impropérios que fui obrigado a ouvir, principalmente proferidos por minha mulher. Se não fosse a intervenção de alguns funcionários do lupanar e de minha filha, ela teria me agredido, ali mesmo.
- A propósito qual foi a reação de sua filha diante da cena patética ao vê-lo deitado, com perdão da palavra...No leito nupcial?-indagou Jaime com um sorriso de malícia. E você teve muita sorte por não haver morrido naquele momento, se não, creio que teria ido direto para o inferno!- Se você quer saber meu amigo -rebateu Afrânio irritado- Eleonora não deixou transparecer qualquer laivo de crítica contra mim, mas chorava copiosamente, chegando a demonstrar pelo seu desespero, albergar a infeliz ideia, que de fato, eu estaria morto! E tem mais, nessa última visita que recebi de minha filha ficou evidenciado o sentimento que ela nutre por este velho pai! Jaime curioso para inteirar-se sobre o que a filha do amigo havia dito, olhou de relance pelas mobílias, deteu-se na fruteira vazia e indagou:
- Afinal de contas o que foi que sua filha afirmou que o deixou tão embevecido? Na verdade, sou obrigado a reconhecer que você, em se tratando de familiares está bem servido, pois os meus, assim que se deu a minha internação neste hospital foram gozar férias na Europa, torrar o meu dinheiro!
- O que Eleonora segredou-me confesso que me levou as lágrimas. Ela depois de fitar-me nos olhos demoradamente, beijou minha face e afirmou lacrimosa: Meu pai, se eu soubesse que a dor da saudade seria tão grande assim, eu teria multiplicado por mil o amor que lhe dediquei enquanto o senhor estava lá em casa!- E quanto a você limitou-se a ouvi-la?-insistiu Jaime.- Não meu amigo, - retrucou Afrânio - Aleguei não merecer um sentimento tão puro assim, já que meu comportamento diante de toda família fora simplesmente vergonhoso!- Ainda bem que você reconhece! -exclamou Jaime- para o seu erro não há perdão!- Eu também pensava dessa forma até minha filha afirmar que o Amor ao nascer passa a ser imortal tanto quanto a vida e que tal sentimento independe do comportamento do Ser amado! Com isso só me resta acreditar que o coração que ama verdadeiramente não tem espaço para divagações de ordem negativa!
- Jaime esfregava o próprio ventre avantajado, dando sinais de impaciência. Afinal de contas as horas matinais avançavam e nem sinal da merendeira com o habitual café da manhã.- O amigo me parece nervoso - observou o pai de Eleonora - qual o problema?- Já vi que minha sina é morrer de inanição; nem mesmo os responsáveis pela cozinha se dignaram a me ajudar quanto ao fornecimento suplementar de alimento, mediante soma compensatória.- Você tentou suborná-los? - indignou-se Afrânio.- E daí? - retrucou o obeso - prefiro dispor de uma certa quantia a viver nesse regime forçado. O que mais me aborreceu foi o sorriso deslavado desses serviçais pobretões, quando lhes ofereci a propina. Fiquei transtornado com o pouco caso que fizeram da proposta; se eles conhecessem o meu potencial financeiro, assim não procederiam, pois temeriam a perda do emprego.- Por que razão deveriam temer?
- Você não desconhece que esses hospitais sobrevivem as expensas de subsídio governamental e minha influência nessa área é muito grande.- Não creio que você teria a coragem de provocar o corte da verba de um hospital.- Ora meu amigo -respondeu Jaime abrindo os braços - Minha intervenção nesse campo é tão verdadeira quanto os processos que respondo atualmente por desvio do dinheiro público!- As acusações são procedentes? - arregalou os olhos Afrânio.- Claro que são! Não vou esconder de você que enriqueci, usando esse expediente nas minhas atribuições de parlamentar.- Isso não lhe pesa na consciência?- Tenho pesadelos todas as noites - respondeu Jaime cabisbaixo.- Como são esses pesadelos?- São tão horríveis que, às vezes, chego a bendizer quando sou acometido pela insônia. Nas oportunidades que consigo conciliar o sono, meu martírio toma proporção gigantesca. Geralmente sou levado por forças desconhecidas a caminhar pela madrugada, em ruas sombrias, onde se encontram adormecidas, sobre trapos e papelões, mães magérrimas em cujos dorsos se acotovelam crianças sujas e esquálidas, formando verdadeiros amontoados de abandono e fome.
Depois de pequena pausa para refazer-se, Jaime prosseguiu:- Como se não bastasse a visão do cenário miserável que se afigura, essas crianças, ao invés de ressonar, que seria o procedimento normal, gemem como se estivessem suplicando por socorro. Vozes acusatórias ecoam nos meus ouvidos com insistência! Está vendo? Está vendo? Outras vezes, essas forças me obrigam a caminhar saltitando sobre os enfermos que se estendem nos corredores do hospital sem recursos; ali me apontam a ausência de remédios que seriam indispensáveis para a manutenção da vida; em seguida, me conduzem ao velório da Casa de Saúde, para que eu anote o desespero de criaturas a se despedirem, debruçadas, sobre os caixões de velhos e crianças. O pior de tudo é quando essas forças desconhecidas me forçam a pedir desculpas para os chorosos circunstantes, impelindo-me a confessar: Sou eu o culpado!- Que horror! - admirou-se Afrânio - suas noites se constituem em verdadeiro suplício. Em seu lugar, por certo, eu teria enlouquecido!
- Quero lhe confessar, amigo. Na realidade, esses pesadelos já perduram por tempo incomensurável, ocasionando distúrbios que me levaram a conviver com criaturas esquizofrênicas em pátio lodoso de um sanatório. Lá os internos se intitulavam meus inimigos, fazendo-me passar por toda a sorte de acicates e humilhações, até que um bom homem compadecendo-me de minhas agruras burlou a vigilância do manicômio (trevas) transferindo-me para cá, com o compromisso de notificar meus familiares sobre meu novo paradeiro.
Espero que você guarde sigilo sobre esses relatos que acabo de fazer, pois nem mesmo à minha esposa dei a conhecer tais detalhes, principalmente no que diz respeito às práticas que me levaram à fortuna.- Ela nunca desconfiou? - perguntou Afrânio de olhos arregalados.- Creio que sim, mas talvez tenha praticado a silenciosa conivência em nome do luxo, do conforto que sempre lhe proporcionei. Nossa casa se constitui num verdadeiro salão de festas, e Otília faz questão de esmerar-se como anfitriã sem qualquer economia.
- Se eu lhe fizer uma pergunta atrevida, você não se aborrecerá?- Fique à vontade - disse Jaime.- Como você convive com o fato de gozar da luxúria e da abastança, sabendo que para tanto está desnutrindo crianças, comprometendo seu desenvolvimento e por consequência ocasionando retardo irreversível? Nesse momento, Jaime crispou os dedos parecendo querer encrava-los nas palmas das mãos. Virou o queixo sobre o ombro esquerdo, precipitou-se ao chão a espumar. Afrânio descontrolou-se e se pôs a gritar, enquanto o amigo político permanecia em convulsão.
Álvaro Basile Portughesi - Jornal Espírita - julho/04

Fonte- A Casa do Espiritismo
 www.acasadoespiritismo.com.br/

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