No senso
comum, a ideia de prazer está diretamente associada à de felicidade, remontando
aos séculos essa relação. Na ótica espírita prazer não é pecado, tampouco o
Espiritismo utiliza o conceito de pecado.
O prazer é
uma condição natural constitutiva do psiquismo e do organismo de várias
espécies, inclusive a humana. No nível físico isso é evidente. Não fosse a
satisfação sexual e talvez não estivéssemos aqui nesse instante, porque é o
instinto que garante a reprodução das espécies. No entanto, a felicidade não é
sinônimo de prazer, sendo este, inúmeras vezes, uma armadilha para a plena
realização do indivíduo.
Em O Livro
dos Espíritos, Kardec pergunta aos espíritos:
É a mesma a
força que une os elementos da matéria nos corpos orgânicos e nos inorgânicos?
– Sim, a lei
de atração é a mesma para todos.
Na visão
espírita a sexualidade está inserida na “lei de atração”, que antecede aos
corpos orgânicos, mas já presente desde o universo inorgânico. Dentro de uma
visão evolutiva, a vida é regida por princípios únicos em que a sexualidade é a
continuidade natural para um sistema de atração que regula a vida e os seres.
Lei natural
do Universo serve à Lei de Amor, expressão última e máxima que anima a vida
criada por Deus.
Perigo no
excesso
O nosso
cérebro físico apresenta estruturas relacionadas ao prazer. São os sítios
orgânicos que têm por função básica garantir a sobrevivência da espécie,
particularmente os circuitos de recompensa do cérebro contidos no sistema
límbico, mais particularmente na via mesocorticolímbica. No entanto, esses
mesmos circuitos, que fazem parte da estrutura normal do sistema nervoso, estão
implicados no mecanismo das dependências químicas que envolvem a saturação
desses sistemas de recompensa. Hoje sabe-se que todas as drogas de abuso atuam
sobre a neurotransmissão dopaminérqica, mais especificamente sobre a via
mesocorticolímbica, que se projeta da área tegumentar ventral (ATV) do
mesencéfalo para o núcleo accumbens (NAcc) e para o córtex pré-frontal (CPF),
que compõem o sistema de recompensa cerebral (SRC).
Vemos, com
isso, que a mesma via da neurofisiologia do prazer, que em condições normais é
natural e desejável, pode tornar-se perigosa se for acionada em excesso. A
estimulação aumentada dessas vias promove um incremento da dopamina,
neurotransmissor responsável pela sensação de prazer, e sua hiperestimulação
promove uma subversão do sistema de recompensa. A consequência disso é que o
prazer, que seria natural em condições comuns, é sentido como insuficiente no passar
do tempo.
Não é apenas
pelo uso de substâncias que o sistema cerebral de recompensa é subvertido, mas
também por todos os estímulos exagerados que acentuam a sensação normal de
satisfação, como é o caso do comer, do jogar, do comprar, do consumir e, naturalmente,
da sexualidade. O mecanismo é o mesmo, envolve os mesmos circuitos cerebrais de
recompensa e vai estabelecendo-se pela continuidade do estímulo. Na base desse
processo existe o sentimento de insatisfação e carência afetiva, que são de
natureza profunda ou existencial.
Quando o
prazer comanda a vida da pessoa, ele pode ser perigoso e construtor de
enfermidades. Não há como não ver que nos dias de hoje o ser humano tenha
perdido a capacidade de ter prazer naturalmente. A mídia, o apelo dos valores
narcísicos, a cultura do belo, do imediato e da satisfação a qualquer preço têm
gerado nas pessoas a sensação de que falta sempre alguma coisa para a
realização plena. A cultura religiosa do passado dizia que nascemos para sofrer
e a cultura materialista da atualidade suscita que nascemos para ser felizes a
qualquer custo. Isso é uma verdadeira doença porque geradora do sentimento de
que está sempre faltando alguma coisa. À medida que estamos permanentemente
estimulados a procurar mais prazer, construímos o sentimento de que, com o que
temos ou somos, não é possível sermos felizes, ou seja, mantemos um sentimento
de infelicidade continuada, em que o vazio existencial se apresenta na forma de
diversas carências.
Sintonia
para as obsessões
Consideramos
que a obsessão dos nossos dias é a fascinação.
A partir do
que até aqui analisamos, podemos depreender que a sociedade materialista na
qual estamos inseridos cria o ambiente propício para o estabelecimento de
sintonias mentais compatíveis ao prazer extremo e à fuga para a
superficialidade. Como espíritas, sabemos que existe o concomitante espiritual
nisso tudo. Vivemos num universo de sintonias. Se não estamos buscando o
enriquecimento interior, inevitavelmente empobrecemos espiritualmente e
conectamo-nos com mentes desencarnadas de mesma condição. São espíritos ainda
muito ligados ao plano físico e às sensações, nada interessados em progredir
espiritualmente, permanecendo ligados ao plano das sensações físicas.
Além desse
grupo de espíritos, outros mais maquiavélicos inspiram a desordem da sociedade,
a dissolução da família, em um bem urdido plano de ação desagregadora na qual,
mentes ardilosas do plano espiritual inferior agem em regime de obsessão
coletiva na propagação dos vícios e dos comportamentos sem que possam ser
percebidos, porque se insinuam em hábitos que parecem ser naturais numa
“sociedade moderna”. Enquanto o ser humano se distrai na busca da realização
pelo prazer, perde tempo precioso em executar sua própria evolução, motivo
principal da reencarnação. Essa cortina de ilusão é voluntariamente fomentada
pela espiritualidade inferior que age conscientemente nesse propósito e, de
maneira coletiva, inspira e estimula a festa dos sentidos.
Em O Livro
dos Médiuns, no capítulo XXIII, Allan Kardec estuda as obsessões… Isto é, o
domínio que alguns espíritos logram adquirir sobre certas pessoas.
Sobre esse
assunto, Kardec divide o tema em três principais variedades, que são as
obsessões simples, as fascinações e as subjugações. Queremos nos deter nas
fascinações.
O médium
fascinado não acredita que o estejam enganando: o espírito tem a arte dê lhe
inspirar confiança cega, que o impede de ver o embuste e de compreender o
absurdo do que escreve, ainda quando esse absurdo salte aos olhos de toda
gente.
Não são apenas
os médiuns ostensivos que estão sujeitos às obsessões, uma vez que todas as
pessoas apresentam mediunidade em algum grau.
O grande
risco nesse tipo de obsessão é que a pessoa não se dá conta que está obsedada.
Na fascinação o indivíduo não se sente mal, ao contrário, sente-se poderoso e o
senhor da verdade.
Está
sujeito, dessa forma, às obsessões pelo prazer, que nascem no orgulho e na
vaidade e na necessidade exagerada de reconhecimento e satisfação.
Para
vivermos no mundo não são exigidas de nós posturas rígidas e nem estamos
impedidos de participar da vida social, no entanto estamos sendo convidados
sempre à disciplina e ao autoexame, a fim de permanecermos responsáveis por nós
mesmos e não perder tempo com trivialidades. Na estrada do desenvolvimento
espiritual e da ética não há atalhos. Por isso, na sociedade hedonista em que
vivemos, vale a reflexão sobre os riscos do prazer. Conforme Paulo de Tarso.
“Tudo posso, mas nem tudo me convém. ”
(Coríntios,
cap. 6 vers. 12)
Transcrito
na Folha Espírita de Agosto de 2013.
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