Reproduzimos a seguir matéria da
revista Isto é, que aborda a temática da mediunidade ainda na infância. A
página Chico de Minas Xavier orienta que os pais busquem auxilio na casa
espírita de confiança e não esqueça de convidar o jovem a participar do Evangelho
no Lar.
ISTOÉ | Joédson Alves
Diana embalava o filho em frente a
uma parede repleta de fotos na casa de sua mãe, em Brasília. Uma delas,
envelhecida pelo tempo, chamou a atenção do pequeno Roberto, então com pouco
mais de um ano. O garoto apontou a jovem que aparecia no retrato: “Vovó. ” A
mãe achou estranho. “Sim, esta era a minha avó, sua bisa”, explicou. E
perguntou como ele adivinhara, já que ninguém havia mostrado aquela imagem ao
menino. Roberto apenas tocou o colo da moça no retrato. “Dodói”, disse. Na
foto, nenhum machucado aparente. O assombro tomou conta da sala quando Liana se
recordou que a avó, já idosa, faleceu em decorrência de um câncer de mama. “Meu
filho sabia daquilo sem que ninguém tivesse lhe contado”, resume o pai, Ricardo
Movits. Ninguém deste mundo, é bom ressaltar.
Antes de tachar a história do menino
Roberto de mentira, fantasia ou maluquice, vale lembrar que Chico Xavier, o
maior médium brasileiro, teve sua primeira experiência mediúnica aos cinco
anos, quando sua mãe faleceu e, em espírito, passou a visitá-lo. Roberto, hoje
com quatro anos, também diz receber a visita de parentes falecidos. E de modo
assíduo. Contou que a avó frequenta sua casa para lhe ensinar coisas sobre a
vida e a morte. “Ela disse que as pessoas que morrem viram anjinhos e depois
voltam a ser bebês”, afirma. Em outra ocasião, Roberto surpreendeu o pai ao
comentar que o avô havia morrido porque fumava demais. “Entrou muita fumaça no
peito dele”, completou. Essas supostas habilidades do menino poderiam ser
explicadas por meio da mediunidade. Estudada por religiosos, psiquiatras e até
neurologistas, a mediunidade é a capacidade de ver e ouvir espíritos ou
realizar fenômenos paranormais – como incorporação e clarividência – por
intermédio de agentes externos. Ou seja, de entidades espirituais que utilizam
o corpo do médium como veículo para se manifestar.
Relatos desse tipo são cada vez mais
comuns. Mesmo nos consultórios. A psicologia e a medicina, no entanto, buscam
outras formas de justificar esses fenômenos. Se a criança parece possuída por
uma entidade sobrenatural, por exemplo, é feito diagnóstico de transtorno de
personalidade ou estado de transe e possessão, cujo tratamento alia
psicoterapia e medicamentos. A comunicação com amigos invisíveis aos olhos dos pais
costuma ser encarada como mera fantasia. “Há momentos em que a ilusão predomina
e a criança transforma em real o que é apenas o seu desejo inconsciente”,
considera a psicanalista Ana Maria Sigal, coordenadora do grupo de trabalho em
psicanálise com crianças do Instituto Sedes Sapientiae. “Ao brincar com um
amigo imaginário, ela nega a solidão e cria um espaço no qual é dona e senhora.
Já falar com parentes falecidos é uma forma de negar uma realidade dolorosa e
se sentir onipotente, capaz de reverter a morte”, acrescenta Ana Maria.
A interpretação é a mesma da maioria
dos pediatras. Presidente do Instituto da Família, que estuda as relações
familiares, o médico Leonardo Posternak afirma que esse tipo de fantasia
permite à garotada chamar atenção. Segundo ele, as crianças percebem se os pais
demonstram admiração por seu suposto dom. Ou se aproveitam do carinho especial
recebido quando os pais desconfiam que o filho tem algum distúrbio psíquico.
Mas e quando surgem fatos capazes de assombrar os mais céticos, como o pequeno
subitamente falar outra língua? “É importante que sejamos humildes para admitir
que muita coisa ainda escapa à medicina cartesiana. Em vez de dizer aos pais
que o filho não tem nada ou que os sintomas vão passar, seria mais honesto
dizer que a medicina vigente não é capaz de diagnosticar o que se passa com
ele”, afirma Posternak. O presidente da Associação Brasileira de Neurologia e
Pediatria Infantil, César de Moraes, lembra que o estado de transe e possessão,
embora citado no Código Internacional de Doenças, ainda não foi esclarecido.
“Pode resultar de alguma desordem física ou mental ou, de fato, ser obra do
sobrenatural”, sugere.
No vácuo deixado pela medicina,
avançam cada vez mais as explicações alternativas que conciliam ciência e
transcendência. Se uma criança descreve e dá nome a um amigo imaginário e a
família descobre, ao investigar, que a descrição corresponde à de uma pessoa de
verdade, que habitou a casa no passado, a linha entre ficção e realidade
desaparece. É o que assegura Reginaldo Hiraoka, coordenador do curso de
parapsicologia das Faculdades Integradas “Espírita”, a única do gênero no
Brasil, em Curitiba. “O mesmo ocorre quando crianças afirmam se lembrar de
vidas passadas e citam episódios verídicos sem jamais terem ouvido algo a
respeito”, acrescenta. Para estudiosos da parapsicologia, há uma alta frequência
de relatos sobrenaturais na infância devido ao fato de a mediunidade, inata a
todas as pessoas, ainda não ter sido reprimida nessa fase. “Crianças com menos
de sete anos não veem nada de anormal nessas experiências”, afirma a psicóloga
infantil Athena A. Drewes, consultora da Parapsychology Foundation, com sede em
Nova York. “Elas as aceitam até que outras pessoas comecem a reagir negativamente
a seus relatos. O bloqueio ocorre ao entrarem na escola e descobrirem que nem
todos vivem as mesmas experiências. ”
Mas nem sempre a convivência com o
sobrenatural é tranquila. Às vezes, os amiguinhos imaginários são substituídos
por monstros que atrapalham o sono dos pequenos e os tornam arredios,
agressivos ou profundamente tímidos. Como no filme Sexto sentido, de Night
Shyamalan, crianças se dizem assombradas por imagens de espíritos que vagam com
ferimentos ou fraturas expostas, exatamente como estavam quando morreram.
Segundo a doutrina espírita, isso acontece quando os espíritos desencarnados
não conseguem se desprender do plano físico, seja por não terem se dado conta
da morte, seja por não a aceitarem. Também é possível que um espírito persiga
uma criança por ter sido ligado a ela em uma vida pregressa. “Imagine se seu
bebê foi uma pessoa má na encarnação anterior e prejudicou alguém que, agora,
se sente no direito de atrapalhar seu caminho”, cogita a autora do livro
Mediunidade em crianças, Agnes Henriques Leal. Conforme a tese espírita, é
possível que esse filho sofra horrores com a influência de seres assustadores.
Nessas horas, de acordo com o
espiritismo, a criança deve ser encaminhada a tratamento com passes para
dispersar energias negativas. Os espíritas podem ainda trazer a entidade a uma
reunião no centro – por intermédio de um médium – para tentar demovê-la da
perseguição. Leituras diárias do Evangelho também ajudariam. “Se os pais não
participarem do processo de cura, nada será atingido. Para tanto, deverão
conhecer a doutrina e se dispor a estabelecer, no lar, um clima vibratório de
harmonia e paz”, ensina o médium paraense Nazareno Tourinho, autor de
Experiências mediúnicas com crianças e adolescentes. Ele ressalta, no entanto,
que nenhum auxílio científico deve ser desprezado. “Primeiro, deve-se procurar
um profissional de saúde. Se o resultado não for satisfatório, resta buscar
ajuda de espíritas competentes”, orienta.
Outra opção é consultar um
especialista que seja ao mesmo tempo médico e religioso. Há muitos psiquiatras
adeptos do espiritismo que atendem crianças e adultos atormentados por
fenômenos inexplicáveis. Um deles é Sérgio Felipe de Oliveira, diretor da Associação
Médico-Espírita de São Paulo e autor da tese de que a mediunidade nada mais é
do que uma atividade sensorial – como a visão e o olfato – capaz de captar
estímulos do mundo extra físico. O órgão responsável pela mediunidade, diz
Oliveira, é a glândula pineal, localizada no cérebro, que controla também o
ritmo de crescimento e, na adolescência, avisa a hora de dar início à liberação
dos hormônios sexuais. Descrita por Descartes como a sede da alma em 1641, a
pineal tem sido pesquisada há séculos, e, desde a década de 1980, é comprovada
sua capacidade de converter ondas eletromagnéticas em estímulos neuroquímicos.
Para confirmar sua tese, Oliveira realizou diversos exames neurológicos (como
tomografia e eletroencefalograma) em pacientes em transe. “Verificamos a
atividade na pineal durante esses momentos. Ela é uma espécie de antena que
capta estímulos da alma de outras pessoas, vivas ou mortas, como se fosse um
olho sensível à energia eletromagnética”, diz.
Mesmo que não veja ou ouça espíritos
desencarnados, é a mediunidade que faz com que uma criança seja capaz de sentir
se um ambiente está carregado e a faz chorar quando um estranho com energias
ruins a pega no colo. Em sua clínica, Oliveira não descarta o uso de
medicamentos, mas não tem dúvida dos benefícios da atividade espiritual,
prescrita por ele como terapia complementar. Oliveira diz que, antes de se
afirmar que uma criança está sob influência de um espírito, é preciso descartar
as hipóteses de fantasia e de distúrbios psíquicos. A primeira etapa é
entrevistar o paciente em busca de elementos que não poderiam ser ditos por
ele. “É difícil diagnosticar como fantasiosa uma criança de três anos que se
põe a analisar quadros de Botticelli ou a conversar em francês sem nunca ter estudado
o idioma”, exemplifica. Finalmente, exames neurológicos são feitos para se
verificar se a atividade no cérebro é equivalente à registrada em convulsões ou
surtos de epilepsia. Normalmente, a reação é outra.
Médicos adeptos do espiritismo
afirmam que a infância é o período em que a ação da glândula pineal está no
auge, embora a criança não tenha o arcabouço intelectual necessário para
interpretar os estímulos de forma consciente. Com o desenvolvimento completo do
cérebro, a mediunidade seria sublimada na maioria das pessoas. Ou voltaria
ainda mais forte naqueles que aprenderam a exercitá-la. No Livro dos médiuns,
Allan Kardec, codificador da doutrina, avisa que a mediunidade não deve ser
estimulada em crianças, o que pode ser perigoso, já que os organismos delicados
das crianças sofreriam grandes abalos. “É de se desejar que uma criança dotada
de faculdade mediúnica não a exercite, senão sob a vigilância de pessoas
experientes”, escreveu. Por esse motivo, em geral os pais são orientados a não
incentivar os filhos a exercê-la. “Muitas crianças sentem dor porque o corpo
não está preparado para receber esse impacto”, diz a psicóloga Inês Ignácio, do
Centro Espírita Francisco de Assis, no Rio de Janeiro.
Em outras religiões espiritualistas,
como candomblé e umbanda, a presença de crianças nos rituais costuma ser
permitida. Muitos templos oferecem acompanhamento adulto para a iniciação. “É
preciso frequentar o centro como se fosse uma escola”, alerta Aguinaldo Cravo,
adepto do candomblé e babalorixá na Casa de Caridade Cabana de Oxossi, no Rio
de Janeiro. Crianças também exercem sua religiosidade nas giras de umbanda do
Templo Cacique Pai Pena Branca, em São Paulo. “Algumas já têm um canal de
vidência elevado, enquanto outras só vêem vultos e precisam desenvolver seu
dom”, diz a ialorixá Mãe Norma de Iansã, que oferece aos domingos um curso de
mediunidade aberto às novas gerações. Delas surgirá, quem sabe, um novo Chico
Xavier.
Fonte: Chico de Minas Xavier